Tiesj Benoot lançou um aviso sobre o rumo que o ciclismo de estrada está a seguir, denunciando uma cultura de profissionalização precoce e de pressão constante que, segundo o belga, pode levar muitos jovens talentos a esgotarem-se mental e emocionalmente antes mesmo de atingirem o seu auge.
No podcast de Thomas Guenter, o ciclista da
Team Visma | Lease a Bike, de 31 anos, refletiu sobre a transformação radical do desporto desde a sua chegada ao pelotão profissional, em 2015. Enquanto Benoot recorda uma juventude equilibrada e sem obsessões, acredita que as novas gerações vivem hoje sob uma rigidez quase absoluta.
"É uma tendência no ciclismo que tudo se torne muito sério numa idade muito jovem", explicou. "Há cada vez mais estrutura, mais dados, mais controlo. Com a tecnologia, tudo pode ser medido e conhecido, e isso cria uma pressão enorme".
Tiesj Benoot trocará a Visma pela Decathlon em 2026
A influência das redes sociais e a perda de prazer
Para Benoot, o fenómeno é amplificado pelas redes sociais, que fomentam um modelo de perfeição difícil de sustentar. "Os jovens ciclistas podem ver tudo o que um profissional faz, por exemplo, fotos de pessoas a pesar a comida. E não me parece que essa seja uma boa tendência", observou.
O belga teme que essa obsessão com a disciplina absoluta possa estar a destruir o prazer e a espontaneidade que deviam acompanhar os primeiros anos de carreira. "Vemos talentos que desistem aos 21 ou 22 anos", lamentou. "Começaram a andar de bicicleta por diversão, mas com todos estes pequenos detalhes perdem completamente a alegria e acabam por ter problemas mentais".
Benoot, vencedor da Strade Bianche de 2018, fez uma comparação direta entre o ambiente atual e o que viveu na adolescência. "Quando eu tinha 18 anos, sair com os amigos no bairro de Overpoort, em Gante, fazia parte da vida. Hoje, é um pouco assustador ver como é pequeno o círculo social dos jovens ciclistas", confessou.
O belga apontou também o papel excessivo de alguns pais, que pressionam os filhos desde cedo: "Em muitos casos, os pais tentam realizar os seus próprios sonhos através dos filhos, e isso acaba por roubar-lhes a liberdade e a alegria".
Um desporto à procura de equilíbrio
As palavras de Benoot surgem num contexto em que o WorldTour assiste a uma explosão de jovens prodígios, alguns ainda adolescentes, que chegam ao topo com sucesso imediato, mas com trajetórias potencialmente curtas. As equipas investem fortemente em academias e programas de formação, mas o ciclista belga defende que a saúde mental e o prazer pelo desporto devem continuar a ser prioridades.
"O profissionalismo é importante", reconheceu Benoot, "mas é preciso garantir que o ciclismo não se transforma apenas em números, watts e controlo. A paixão é o que nos faz durar".
Num desporto cada vez mais obcecado com a perfeição e os ganhos marginais, o apelo de Tiesj Benoot soa como um lembrete urgente: o talento precisa de espaço para crescer, e de alegria para perdurar.