A saúde mental continua a ser um dos temas mais negligenciados no desporto profissional e o ciclismo não é excepção. O alerta foi deixado por
Martijn Tusveld, antigo ciclista holandês do World Tour, que revelou que apenas uma equipa do pelotão de elite tem um psicólogo desportivo a tempo inteiro.
Tusveld, que representou a Team Picnic PostNL entre 2018 e 2024, terminou a sua carreira esta época e está agora a preparar-se para seguir um outro caminho, mas fora da bicicleta: tornar-se psicólogo desportivo.
Em entrevista ao In de Leiderstrui, o ex-profissional mostrou-se surpreendido com a pouca atenção que as equipas de topo dedicam à componente mental dos seus ciclistas.
“Penso que contribuí com alguma coisa, apesar de não ter marcado pontos”, afirmou. “A equipa manteve-se praticamente igual e isso é também um elogio ao pessoal de apoio: treinadores, nutricionistas e o psicólogo desportivo. Essa estrutura faz diferença.”
Depois de anos no World Tour, Tusveld terminou a carreira a competir pela BEAT Cycling Club, equipa continental neerlandesa, onde encontrou um ambiente mais próximo e humano, algo que segundo ele, falta em muitas estruturas de topo.
“A diferença entre o World Tour e as equipas continentais é que, nas mais pequenas, os ciclistas correm muitas vezes para os resultados pessoais. No World Tour, há mais espírito colectivo, e isso ajuda a evoluir como equipa. Essa abordagem é fundamental.”
O lado invisível do alto rendimento
Tusveld, agora com 32 anos, está a realizar um estágio com o psicólogo da sua antiga equipa e acredita que esse é um campo onde o ciclismo tem muito a aprender.
“Vejo um futuro nesta área, porque noto que há pouca atenção para ela. Há muito foco no treino e na nutrição, mas o apoio mental e pessoal continua a ser negligenciado”, explicou.
Segundo o holandês, apenas a Lidl–Trek dispõe de um psicólogo a tempo inteiro no World Tour. “No World Tour, só há uma equipa que emprega um psicólogo desportivo a tempo inteiro. É a Lidl–Trek, e sei que querem fazer mais. Existe procura por esse apoio, mas a maioria das equipas ainda o ignora. No entanto, acredito que chegará o momento em que esse suporte será parte integrante das estruturas.”
Um tabu que persiste
Num ambiente cada vez mais profissionalizado, onde os ganhos marginais determinam a diferença entre vencer e perder, Tusveld considera “surpreendente” que equipas com orçamentos de dezenas de milhões de euros continuem a desvalorizar a vertente mental.
“Veja-se o medo de cair — é algo comum, mas que ainda não pode ser discutido abertamente. É um tema tabu. E enquanto isso não mudar, os ciclistas continuam a carregar esse peso em silêncio.”
Além da componente psicológica, o ex-ciclista identifica também lacunas na cultura interna das equipas, onde a pressão constante e a ausência de espaços seguros agravam o problema.
“Ainda há muito a ganhar nessas áreas. O mesmo se aplica à cultura de equipa. No ciclismo, continua a existir uma mentalidade conservadora, mas vejo que, aos poucos, estão a surgir mudanças. E isso é um bom sinal.”