A COVID e o ciclismo: Porque é que o vírus continua a perturbar o desporto em 2024

Ciclismo
domingo, 25 agosto 2024 a 10:13
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Mesmo quando o mundo regressou a um estado de "normalidade" pós-pandémica, a COVID-19 continua a ser um problema significativo para o ciclismo profissional. A época de 2024 viu mais uma vez os ciclistas serem atingidos pelo vírus em momentos críticos da sua época de corrida, ameaçando remodelar as corridas e destruir potenciais vitórias.
João Almeida, um dos favoritos à partida da Volta a Espanha 2024, é o mais recente a sofrer o impacto da COVID-19. Os rumores sugerem que ele testou positivo para o vírus antes de uma desastrosa etapa 8, onde ele foi deixado para trás na subida final e, posteriormente, perdeu tempo valioso baixando consideravelmente as suas hipóteses de vitória na classificação geral. Ainda esta manhã, foi confirmado que João Almeida tem o vírus e abandonou a corrida.
Este não é um caso isolado. A COVID-19 continua a ser uma ameaça persistente para os ciclistas do pelotão, com grandes estrelas como Tom Pidcock e Geraint Thomas afetados durante a Volta a França de 2024. E em 2023, o atual campeão do mundo Remco Evenepoel foi forçado a abandonar a Volta a Itália enquanto liderava a corrida devido a um teste positivo à COVID. Coloca-se a questão: porque é que a COVID-19 continua a ter tanto peso no ciclismo, apesar de parecer ter desaparecido noutros desportos e em grande parte da vida quotidiana? A resposta está nos desafios únicos enfrentados pelos ciclistas, na natureza do seu desporto e na forma como os vírus se propagam dentro do pelotão.
Um terreno de reprodução perfeito
O ciclismo, mais do que a maioria dos desportos, cria um ambiente onde os vírus se podem propagar facilmente. Para dizer o óbvio, a dinâmica do pelotão, um grande grupo de ciclistas que se juntam durante horas a fio, oferece as condições ideais para a transmissão por via aérea de doenças como a COVID-19. Os ciclistas arrastam-se uns atrás dos outros, por vezes com apenas alguns centímetros de distância, até seis horas por dia durante as corridas por etapas. Esta proximidade durante longos períodos torna incrivelmente difícil evitar a transmissão do vírus, mesmo que um só ciclista esteja infetado.
Ao contrário dos desportos de equipa, como o futebol ou o basquetebol, em que os jogadores estão intermitentemente próximos uns dos outros e raramente por longas durações, o pelotão é um aglomerado prolongado e em movimento. Os ciclistas estão constantemente a expirar, a respirar de forma pesada e a interagir uns com os outros. Isto cria um "circuito fechado" de circulação de ar, que permite que os vírus se espalhem rapidamente.
Além disso, os ciclistas interagem de perto com os seus colegas de equipa fora da bicicleta. Durante corridas de várias semanas, como o Tour ou a Vuelta, os ciclistas vivem, comem e viajam juntos, aumentando ainda mais as hipóteses de propagação viral. Um ciclista que contraia COVID pode, portanto, expor toda a sua equipa, o seu staff e outras pessoas no pelotão antes de se aperceber que está infetado.
Desportos de resistência e o sistema imunitário
Agora que já abordámos os aspetos mais óbvios, podemos descobrir mais especificamente porque é que os ciclistas são afetados de forma mais significativa do que outros desportistas. Os ciclistas são também particularmente vulneráveis a infeções virais devido à natureza do próprio desporto. Sabe-se que os desportos de resistência suprimem o sistema imunitário, particularmente durante períodos de esforço extremo, tornando os atletas mais susceptíveis a doenças. O stress físico cumulativo do treino, da corrida e da recuperação cria uma "janela aberta" onde a resposta imunitária do corpo fica comprometida, deixando os atletas mais propensos a infeções.
Durante uma Grande Volta, esta suscetibilidade é ainda maior, pois os ciclistas levam o seu corpo ao limite dia após dia, muitas vezes pedalando até seis horas em condições extremas - seja calor, chuva ou etapas frias de montanha. A energia despendida nestes esforços exige uma recuperação significativa, mas os recursos do corpo estão muitas vezes tão esgotados que a sua capacidade de se defender das infeções fica diminuída.
O stress das corridas por etapas não é apenas físico, é também mental. Sabe-se que o stress, tanto psicológico como físico, enfraquece o sistema imunitário. A pressão para ter um bom desempenho, manter uma posição competitiva na classificação geral e lidar com a logística da corrida pode ter um efeito negativo, deixando os corredores ainda mais vulneráveis a vírus. Para alguém como João Almeida, cuja equipa tinha grandes expetativas para esta Vuelta, a tensão mental combinada com a exaustão física da corrida terão provavelmente reduzido ainda mais a sua imunidade.
Por que outros desportos são menos afetados pela COVID em 2024
Enquanto a COVID-19 continua a afetar o ciclismo profissional, outros desportos parecem ter ultrapassado a pandemia com menos perturbações.
Em primeiro lugar, a estrutura e o ambiente da maioria dos desportos coletivos reduzem a probabilidade de surtos generalizados. No futebol, no râguebi ou no ténis, os atletas não estão constantemente em contacto próximo durante períodos prolongados, como acontece com os ciclistas no pelotão. Mesmo nos desportos em que há contacto físico, como o futebol ou o basquetebol, os períodos de proximidade são mais curtos e há mais oportunidades para limitar a propagação da infeção.
Em segundo lugar, o calendário e a duração destes desportos diferem significativamente dos do ciclismo. A maior parte dos desportos inclui eventos únicos, jogos ou partidas que duram, no máximo, algumas horas, seguidos de períodos de recuperação ou de repouso. Em contrapartida, os ciclistas competem durante dias ou semanas seguidos em provas por etapas. Esta exposição contínua ao mesmo grupo de pessoas - colegas de equipa, concorrentes, pessoal - aumenta o risco de transmissão viral.
Além disso, muitos desportos adoptaram protocolos de contenção mais fortes, tais como testes regulares, isolamento e mandatos de vacinação, tornando mais fácil detetar e limitar a propagação da COVID antes que afete equipas ou ligas inteiras. No ciclismo, embora os testes ainda estejam generalizados, as viagens constantes e a interação com os habitantes locais e os meios de comunicação social tornam as medidas de contenção menos fiáveis.
O que pode ser feito
Como a COVID-19 continua a perturbar o ciclismo em 2024, é evidente que é necessário fazer mais para proteger os ciclistas e as equipas. Várias medidas potenciais poderiam ajudar a minimizar o risco de surtos e o seu impacto nas corridas.
  1. Protocolos melhorados de Protocolos de teste e isolamento: Embora os testes continuem a ser padrão nas Grandes Voltas, poderiam ser reintroduzidos testes pré-corrida e diários mais rigorosos para detetar infeções mais cedo. Além disso, protocolos de isolamento mais imediatos poderiam ajudar a evitar que os ciclistas infetados espalhem o vírus aos seus colegas de equipa e ao pelotão.
  2. Testes à comunicação social: As Grandes Voltas poderão adotar regras mais rigorosas para os jornalistas que participam nas corridas, numa tentativa de limitar a transmissão da COVID e de outros vírus que podem afetar o desempenho dos ciclistas.
Uma ameaça persistente
Enquanto outros desportos parecem ter ultrapassado a pandemia, a dinâmica única do ciclismo torna-o particularmente suscetível a surtos virais. Quer se trate do constante contacto próximo no pelotão, dos efeitos de imunocomprometimento das corridas de resistência ou dos desafios logísticos de provas longas e múltiplas, o desporto enfrenta um conjunto particular de desafios para manter os ciclistas seguros.
Numa época já marcada por desistências relacionadas com a COVID - como Tom Pidcock e Chris Harper na Volta a França de 2024 - o ciclismo tem agora de se confrontar com a melhor forma de proteger os seus atletas. O vírus pode já não dominar as manchetes globais, mas no mundo do ciclismo profissional, continua a fazer parte da corrida.
É preciso dizer que a COVID, como qualquer outro vírus, é algo com que, infelizmente, os ciclistas terão sempre de lidar. É um fator de sorte ou azar dentro do pelotão que nunca pode ser totalmente eliminado. Mas, mais deve ser feito para garantir que os ciclistas possam reduzir os riscos de ver suas corridas arruinadas pelo vírus persistente.

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