Thomas Voeckler comentou o estado do ciclismo na era de Tadej Pogacar e da UAE Team Emirates - XRG, mas também sobre
Paul Seixas e o caminho que está a ser traçado para o maior talento francês. O jovem de 19 anos já impressionou bastante este ano, mas é apenas um dos corredores de qualidade que o país tem para somar resultados no presente e nos próximos anos.
“Dado o estatuto do ciclismo francês a nível internacional, estou orgulhoso do desempenho dos meus corredores”, expressou Voeckler em entrevista ao
Cyclism'Actu. “No Campeonato do Mundo, tivemos dois corredores em dificuldades, um deles podia ter estado no final ao lado de Pavel Sivakov e Paul Lapeira. Estavam na discussão… mas na discussão atrás do Remco e do Pogacar”. No Campeonato do Mundo, a seleção francesa não conseguiu marcar a corrida, apesar de ter muita qualidade, colocou dois no Top15, mas falhou o Top10 num pelotão onde o nível é mais alto do que nunca e o acesso a treino e preparação de topo está ao alcance de uma parte maior do mundo.
Essa é uma das grandes razões pelas quais, há 40 anos, a França não produz um vencedor da
Volta a França e perdeu preponderância no cenário internacional. Contudo, em Paul Seixas, renascem esperanças de voltar ao topo na grande volta caseira.
No Campeonato da Europa deste outono, com 19 anos, subiu ao pódio ao lado de Tadej Pogacar e Remco Evenepoel.
“Foi igual no Campeonato da Europa. A start list era digna de uma grande clássica: Ayuso, Vingegaard, Pogacar, Evenepoel… cada país levou os seus melhores. A maior satisfação é a prestação do Paul Seixas”, reconhece Voeckler, que orientou Seixas nesse dia.
“Construímos a equipa à volta do Romain Grégoire e, se não resultasse, outros teriam a sua oportunidade. O Paul superou as expectativas. Para a idade que tem, é impressionante. Nunca gosto de sair sem vencer, mas, objetivamente, a seleção francesa não tem de que se envergonhar. Alguns corredores ultrapassaram-se. Não ganhamos porque hoje há quem seja mais forte”.
Giro, Tour ou Vuelta?
Voeckler assume assim um papel importante no desenvolvimento de Seixas, enquanto selecionador nacional, já tendo estado no carro em algumas das prestações mais relevantes do ano do corredor da Decathlon AG2R La Mondiale. Foi-lhe perguntado onde faria a estreia de Seixas numa Grande Volta, uma das grandes questões atuais no pelotão.
“Não me atrevo a responder pela equipa. Têm gente competente para isso. Na minha opinião, Giro, Tour ou Vuelta não vão mudar a carreira dele”, responde. “Falamos muito disso porque queremos vê-lo no Tour, mas, para mim, a verdadeira questão está noutro lado. Não é a participação numa determinada Grande Volta que vai ditar a sua trajetória futura”.
Com Felix Gall a apontar à Volta a Itália e Matthew Riccitello também indicado para correr a Volta a Espanha, tudo parece apontar para uma estreia na Volta a França. Com contrato até 2027 e sem garantia de continuidade depois, é possível que a equipa não queira jogar a longo prazo.
“Vou um pouco além do meu papel aqui: adoro ciclismo e, quando surge um talento destes, todos sonhamos. O que me marcou no Paul foi a evolução física. Não correu muito em 2025, mas sempre que regressou, voltou mais forte. Melhorou na potência, mas também no modo de correr: sempre preciso”, admira o antigo profissional.
“A corrida do Campeonato do Mundo, num percurso tão duro, ajudou-o a dar um salto mental. O que espero? Não resultados. Evolução. Que continue no seu caminho, faça a gestão das expectativas e avance rumo ao mais alto nível, sem precipitações”.
Voeckler não aprecia correr com Pogacar no pelotão
Depois de ter estado no carro no Mundial e no Europeu, onde Tadej Pogacar foi intocável rumo à vitória com ataques de longa distância, Voeckler tem uma visão privilegiada do que é correr com ele em prova. “O Pogacar é admirável. O que faz é incrível, com uma simplicidade e um prazer em correr que impõem respeito. Mas sim: é aborrecido”, partilha. “No Campeonato da Europa, o interesse da corrida foi… pelo terceiro lugar. O público viu quem iria subir ao pódio. Não se pode dizer que seja ideal para o suspense".
É também um problema para a maioria do pelotão, porque, além das clássicas de empedrado (e quase só Mathieu van der Poel o enfrenta de igual), o Pogacar praticamente rende e vence em todos os seus objetivos. “O domínio da UAE também levanta questões aos rivais. Quando uma equipa recruta os melhores jovens talentos, tem recursos para otimizar tudo e, talvez, opere num quadro financeiro diferente das equipas patrocinadas por empresas tradicionais, acaba por desregular o mercado. Para existir hoje no top 10 mundial, é preciso um orçamento que duplicou face há cinco anos. Isso não é sustentável para todos”.
Um teto orçamental é, portanto, uma ideia que lhe foi sugerida, mas Voeckler não tem certezas de que isso ajude a modalidade ou, pelo contrário, seja um fator negativo. “Considero essa hipótese, mas não tenho uma solução milagrosa. Um budget cap poderia ajudar, mas exigiria um esforço coletivo. O râguebi mostra que, mesmo com um salary cap, podem existir abusos. O problema é que uma entrada massiva de dinheiro fez tudo explodir: salários, orçamentos, exigências. Alguns colegas de equipa nem sequer beneficiam”.
“Muitas empresas já não conseguem investir no ciclismo como antes: os montantes são demasiado elevados. Travar esta inflação seria benéfico, mas exigiria uma coordenação enorme entre as equipas, a UCI, os organizadores…”