Demi Vollering é, há muito, uma das melhores ciclistas do pelotão mundial. O seu crescimento foi moldado na
Team SD Worx - ProTime, onde se tornou um símbolo de domínio e consistência. Por isso, a notícia da sua saída, no final de 2024, abalou o ciclismo feminino. Ao lado de Marlen Reusser, deixou de ser pilar da equipa neerlandesa para se tornar rival e, com a FDJ - Suez, a neerlandesa assumiu o papel de líder absoluta. Um ano depois, a pergunta impõe-se: foi a transferência um sucesso?
Um adeus amargo à SD Worx
Vollering chegou à SD Worx em 2021, após dois anos promissores que a apontavam como um dos maiores talentos em ascensão. A aposta revelou-se certeira. Logo no primeiro ano conquistou vitórias de peso, como a Liege-Bastogne-Liege, a La Course by Le Tour de France e o The Women's Tour, iniciando uma era de hegemonia.
Durante a sua estadia, a neerlandesa acumulou triunfos que moldaram a história recente do ciclismo feminino: duas Voltas a França Femininas, duas Liege-Bastogne-Liege, Strade Bianche Feminina, Volta ao País Basco Feminina, Vuelta Feminina e inúmeros títulos em corridas de uma semana. Vollering tornou-se a melhor trepadora do mundo, enquanto Lorena Wiebes e Lotte Kopecky assumiam os papéis de melhor sprinter e ciclista de clássicas, respetivamente.
Mas uma equipa repleta de estrelas também tem os seus conflitos. A ausência de uma liderança clara tornou-se evidente em momentos-chave, o exemplo máximo foi a
Volta a França Feminina de 2024. Vollering, então campeã em título e líder da corrida, caiu nos últimos quilómetros da 5ª etapa, sofrendo uma fratura no cóccix. Apesar disso, esperava apoio imediato das companheiras.
O momento da polémica queda, que viria a revelar-se decisiva para o desfecho do Tour 2024
O problema? A equipa manteve o ritmo no pelotão. Wiebes e Blanka Vas seguiram até ao fim, Vas venceu a etapa, enquanto Vollering cruzava a meta ensanguentada e a 1m47s da líder, perdendo a camisola amarela e, no fim, o Tour por apenas quatro segundos. O episódio revelou que o "tanque de tubarões" da SD Worx podia ser, por vezes, uma armadilha para a própria campeã.
Um novo início na FDJ - Suez
Desejosa de ser líder única, Vollering assinou um contrato de três anos com a FDJ - Suez, numa operação em que Specialized e Nike tiveram papel ativo. A formação francesa ofereceu-lhe uma estrutura sólida com ciclistas como Juliette Labous, Évita Muzic e Elise Chabbey, garantindo-lhe apoio nas montanhas e liberdade tática.
A aposta deu frutos logo na primavera, com uma vitória na Strade Bianche, embora os primeiros meses não tenham sido espetaculares. O ponto de viragem chegou com a Volta à Espanha Feminina, onde derrotou Marlen Reusser e a sua antiga diretora Anna van der Breggen, regressada este ano ao pelotão. Seguiram-se os triunfos na Volta ao País Basco Feminina e na Volta à Catalunha Feminina, consolidando a confiança e o novo estatuto.
Um segundo lugar na Volta à Suíça Feminina, atrás de Reusser, serviu de aviso antes da Volta a França Feminina de 2025, o grande objetivo da temporada.
Tour de France Femmes 2025: um segundo lugar agridoce
Determinada a recuperar a camisola amarela, Vollering encontrou uma concorrência feroz. Com Reusser e Elisa Longo Borghini fora de prova, o foco recaiu sobre duas rivais em ascensão: Sarah Gigante e Pauline Ferrand-Prévot, de regresso ao ciclismo de estrada.
Demi Vollering durante a Volta a França Feminina. @Imago
A etapa-rainha, com final no Col de la Madeleine, revelou-se decisiva. Ferrand-Prévot protagonizou uma subida monumental, deixando Vollering a mais de três minutos. No último dia, a neerlandesa ainda atacou, beneficiando dos erros de Gigante nas descidas, mas o segundo lugar ficou longe de satisfazer quem visava o pódio mais alto.
Entre altos e baixos, o sinal da consistência
Nos Campeonatos do Mundo de Kigali, Vollering voltou a estar entre as melhores, mas um erro tático das favoritas permitiu a vitória-surpresa de Magdeleine Vallière. A neerlandesa cruzou a meta em 7º lugar, vencendo o sprint do grupo perseguidor.
O desfecho do ano trouxe, porém, redenção. No Campeonato da Europa, a neerlandesa brilhou em Drôme-Ardèche, atacando de longe e vencendo de forma isolada, num gesto reminiscentes dos ataques de Pogacar. Pode não ter sido o triunfo mais importante, mas simbolizou o seu renascimento competitivo.
Vollering festejou a vitória no Europeu de estrada
Com vitórias e regularidade de fevereiro a outubro, Vollering terminou 2025 como a ciclista mais pontuada do ranking UCI, reforçando o estatuto de referência da modalidade.
O balanço final
A transferência de Vollering para a FDJ - Suez foi, sem dúvida, um sucesso em termos desportivos e estratégicos. Tornou-se líder indiscutível, manteve o nível de excelência e mostrou consistência notável. No entanto, a ausência de triunfos nas duas corridas que mais desejava - a Volta a França Feminina e os Mundiais - deixa a sensação de que o próximo passo lógico na sua carreira será transformar o domínio em glória absoluta.