ANÁLISE: Deve Mathieu van der Poel terminar a carreira no ciclocrosse em 2026?

Ciclocrosse
quinta-feira, 25 dezembro 2025 a 8:00
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A questão de quando, e não de se, Mathieu van der Poel irá um dia despedir-se do ciclocrosse deixou de ser abstrata. O próprio corredor fala disso abertamente, em público e nos bastidores, num momento em que continua a ganhar e a ser central na modalidade. Com mais um inverno de domínio em marcha e um oitavo título mundial recorde ao alcance em casa, o timing parece deliberado, não forçado. O que torna o debate cativante é que sair agora não seria um ato de declínio, mas de controlo.
As palavras de van der Poel ao Het Laatste Nieuws foram invulgarmente diretas para um atleta que costuma manter o futuro propositadamente vago. “É algo em que penso, sim. Sempre disse que seria muito bonito parar no meu país com o recorde. De resto, não haveria muito mais para eu conquistar no ciclocrosse”, analisou.
A lógica é difícil de contestar. Com sete títulos mundiais já garantidos, está a uma vitória de isolar-se no topo da lista histórica da disciplina. Consegui-lo nos Países Baixos, perante adeptos que o seguem desde criança, seria um capítulo final que poucos campeões conseguem escrever nos seus próprios termos.
E sejamos honestos, neste momento, não parece que alguém o consiga travar.

Uma década no topo

Mathieu van der Poel, estrela do ciclocrosse
Mathieu van der Poel está a um passo do estatuto de GOAT no ciclocrosse. @Sirotti
O contexto importa. Van der Poel compete em ciclocrosse de elite há mais de uma década, e a modalidade foi a base da sua identidade muito antes de o seu palmarès na estrada explodir. Já superou todas as referências modernas de consistência, pico de forma e longevidade na disciplina. A questão que levanta agora não é se pode continuar, mas se existe um motivo realmente significativo para o fazer depois de alcançar o marco máximo. Como disse, “de resto, não haveria muito mais para eu conquistar no ciclocrosse”.
A ideia de escolher a saída, em vez de a ter imposta, surge repetidamente nas suas declarações. “Sempre quis parar num momento alto. Se depois ficas em quinto em Hoogerheide, fica um travo amargo”, explicou.
A referência é reveladora. Van der Poel não está interessado em presenças simbólicas ou regressos cerimoniais. Sabe bem como a supremacia se pode desfazer rapidamente e como o legado pode mudar subtilmente se o final parecer arrastado. “Não estou a dizer que parto do princípio de que serei campeão do mundo em Hulst, mas aí tenho a possibilidade de o fazer”.
Há também uma dimensão prática. O ciclocrosse, mesmo para alguém tão dotado como van der Poel, exige um tipo específico de intensidade, viagens e foco mental durante os meses de inverno. “Falámos disso internamente algumas vezes. É algo em que penso, sim. Não estou a ficar mais novo”, disse.
Aos 30 anos, mantém supremacia física, mas está lúcido quanto aos riscos de assumir que será sempre assim. “Neste momento ainda estou num nível muito alto, mas quem diz que será assim daqui a dois, três anos? Não sei, porque não tenho uma bola de cristal”.

Poderia ser melhor noutra frente?

O argumento mais forte para se afastar do ciclocrosse após 2026, ou até antes, reside no que isso pode desbloquear noutros palcos. Van der Poel construiu uma das carreiras na estrada mais completas da sua geração, e as ambições nesse terreno estão longe de esgotadas. Estrutura as épocas em torno das clássicas da primavera e, em 2025, conseguiu o que muito poucos fizeram: vencer a Milan-Sanremo e a Paris–Roubaix na mesma primavera. Triunfos alcançados após duelos intensos com o melhor corredor do mundo, Tadej Pogacar.
O ciclocrosse sempre fez parte dessa preparação, mas van der Poel questiona abertamente se continua a ser essencial. “Não acho que precise absolutamente do ciclocrosse para chegar ao meu melhor nível. De certeza que não. Talvez sem o cross até pudesse ser melhor? Se não experimentas, não sabes”, atirou.
Essa incerteza é relevante. Pela primeira vez, considera seriamente um inverno inteiramente dedicado à preparação para a estrada: mais descanso, menos corridas, blocos de treino mais longos em condições estáveis.
As suas observações sobre Espanha sublinham essa ideia. “Fá-lo-ia sobretudo com vista à época de estrada, sim. Para poder descansar um pouco mais durante o inverno. Ao poder ficar em Espanha todo o inverno, por exemplo, e treinar lá”, explicou. O trade-off é claro. Menos corridas perante multidões cheias na Bélgica e nos Países Baixos, mas potencialmente mais consistência ao longo de uma longa época de estrada que agora inclui também um programa sério de Volta a França.
O próprio Tour complica o quadro. Van der Poel nunca escondeu que julho lhe importa, mesmo sem ambições de geral. Em 2025, voltou finalmente a brilhar na Volta a França pela primeira vez em quatro anos e incendiou a corrida como há muito não víamos. Talvez se tenha apaixonado pela prova rainha do ciclismo?
Manter frescura até ao verão torna-se cada vez mais difícil quando o calendário começa em dezembro a toda a intensidade. Retirar o ciclocrosse do plano pode prolongar o pico mais fundo no ano, algo que pesa à medida que as responsabilidades na estrada se alargam.
Há também a ambição por cumprir no BTT. Van der Poel repetiu várias vezes que o título mundial de XCO, no formato olímpico, é o único arco-íris que lhe falta. Esse objetivo exige uma preparação distinta, possivelmente incompatível com um inverno completo de ciclocrosse. E isso ficou evidente este ano, quando Van der Poel não conseguiu atingir a melhor forma nos Mundiais de BTT. Nessa perspetiva, reduzir ou terminar o calendário de cross pode ser menos fechar uma porta e mais abrir outra.

O argumento para manter o cross

Ainda assim, o argumento para continuar no ciclocrosse para lá de 2026 é igualmente sólido, e bem mais emocional. Van der Poel não fala da disciplina como obrigação contratual ou ferramenta de treino. “O ciclocrosse em si, claro. Continua a ser o que mais adoro. E o público. Cresci com essa atmosfera”, admitiu.
O ciclocrosse não é apenas algo que faz, é onde se formou a sua relação com a competição, onde o apelido da família tem um significado único e onde a ligação aos adeptos é mais visceral.
Há também a possibilidade de as circunstâncias mudarem. A potencial inclusão do ciclocrosse nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2030 poderia alterar prioridades de forma radical. Um título olímpico tornar-se-ia de imediato um novo cume, reformulando a ideia de que “não haveria muito mais para conquistar”. Van der Poel não se comprometeu em nenhum sentido, mas reconhece que tal evolução pode influenciar o seu pensamento.
Talvez o mais revelador seja a forma como evita qualquer tom definitivo. “Vamos ver. Não é certamente uma decisão final”, frisou. Mesmo enquanto expõe os argumentos para se afastar, deixa espaço para o instinto, o prazer e a oportunidade intervirem. Essa ambiguidade soa genuína, não estratégica.
Então, continuará Mathieu van der Poel no ciclocrosse para lá de 2026? Pelas suas próprias palavras, a resposta depende menos da forma e mais do timing. Se conquistar o oitavo título mundial em Hulst, em casa, a lógica de parar aí é forte. Seria um desfecho raro, moldado inteiramente pela sua escolha. Mas o ciclocrosse é também a disciplina que admite que mais sentiria falta, a que está ligada às memórias mais antigas e às emoções mais fortes.
O que parece claro é que isto não será um declínio gradual. Quer pare em breve, quer prolongue um pouco mais, Van der Poel quer decidir ele próprio o momento. Num desporto que raramente concede esse luxo, isso, por si só, seria uma declaração final à altura.
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